A história da epidemia de Aids iniciou-se em 05 de junho de 1981, com o relatório do Centers for Diseases Control and Prevention (CDC-USA) descrevendo os primeiros casos da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida em cinco pacientes homens jovens homossexuais. Previamente saudáveis, eles foram diagnosticados com pneumocistose e citomegalovirose, todos na cidade de Los Angeles, na California (EUA).
Nos primeiros anos da epidemia, houve grande alarde sobre uma “peste gay” causada possivelmente por um agente infeccioso que levava o indivíduo a um profundo estado de imunocomprometimento, favorecendo o aparecimento de infecções oportunistas como a pneumocistose, citomegalovirose, criptococose, toxoplasmose, sarcoma de Kaposi e linfoma não-Hodgkin. Em 1983, o pesquisador francês Luc Montagnier, do Instituto Pasteur (França), isolou pela primeira vez o retrovírus HIV-1, agente etiológico da Aids. Em 1984 descobriu-se que o HIV infectava especialmente linfócitos que expressavam em sua superfície o receptor CD4, causando a destruição destes e gerando o quadro de imunocomprometimento.
Ao longo das décadas de 1980 e 1990 a infecção pelo HIV tornou-se uma pandemia mundial, acometendo também heterossexuais, hemofílicos, usuários de drogas injetáveis, mulheres e crianças (por meio de transmissão vertical). No início da epidemia, sem tratamento específico para combater o vírus HIV, milhares de pessoas padeceram pela infecção. Em 1996 foi introduzida a terapia antirretroviral altamente eficaz (do inglês, HAART), composta por medicamentos antirretrovirais que atuam em diferentes pontos do ciclo de replicação do vírus HIV suprimindo a multiplicação deste no organismo. A HAART foi um grande passo na luta contra a Aids, uma vez que com a supressão do vírus recupera-se a função imunológica, aumentando a sobrevida e melhorando a qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV/Aids (PVHA).
No mundo, segundo dados do ano de 2016 da UNAIDS, há cerca de 36,7 milhões de PVHA, com 2,1 milhões de casos novos de infecção pelo HIV ao ano e cerca de 1,1 milhões de mortes relacionadas ao HIV. Em torno de 5.700 novas infecções pelo HIV são registradas por dia no mundo, das quais 66% ocorrem na África Subsaariana. Até o momento, mais de 30 milhões de mortes pelo HIV/Aids foram registradas no mundo desde o início da pandemia.
No Brasil, dados do Ministério da Saúde mostram que quase 842.700 casos de Aids foram notificados de 1980 a junho de 2016, com mais de 290.000 óbitos registrados. A partir de 2005 o Brasil observa uma diminuição do surgimento de casos novos e na mortalidade decorrente da Aids, fato que é atribuído ao diagnóstico precoce e ao acesso universal à HAART pelo Sistema Único de Saúde, tornando o País um exemplo reconhecido na assistência e controle da infecção pelo HIV no cenário mundial. Nos últimos cinco anos, 41,1 mil casos novos são detectados anualmente, com uma taxa de detecção de casos novos estável de 20,7 casos/100.000 habitantes. No entanto, existem algumas diferenças entre as regiões do País com tendência ao aumento de novos casos entre homens que fazem sexo com homens, na faixa etária de 15-24 anos de idade. A principal causa de óbito entre PVHA no Brasil é a tuberculose, uma infecção oportunista que requer atenção especial para o diagnóstico e tratamento adequado.
O Patologista na luta contra a Aids
O médico patologista tem um papel essencial na luta contra a doença, desde os primeiros casos registrados de Aids até os dias atuais. Por conta do imunocomprometimento, esses pacientes podem apresentar múltiplas infecções oportunistas e outras afecções, que podem ser difíceis de diagnosticar por métodos laboratoriais não invasivos. O patologista, por meio do estudo microscópico, analisa tecidos e fluidos corporais obtidos via aspiração por agulha, biopsia ou pela autopsia. Dessa forma ele pode diagnosticar lesões decorrentes da infecção pelo próprio vírus HIV, infecções oportunistas e neoplasias relacionadas ao imunocomprometimento causadas pelo retrovírus, assim como alterações patológicas decorrentes da terapia antirretroviral.
O patologista utiliza metodologias simples como as colorações histoquímicas, mas também pode lançar mão da cultura de amostras para isolamento de agentes, imunohistoquímica, microscopia eletrônica e da biologia molecular. O diagnóstico fornecido pelo patologista é essencial para orientar o tratamento adequado dos pacientes, fornecer dados seguros para as instituições de controle e vigilância epidemiológica de doenças e até entender a interação do vírus HIV com os microrganismos oportunistas, assim como para a pesquisa em HIV/AIDS, tanto experimental quanto em humanos.
O Dia Mundial da Luta contra a Aids é um dia de celebração da vida, de comemoração das diversas conquistas que as ciências da saúde, como virologia, imunologia, patologia, terapêutica e epidemiologia, alcançaram nesses mais de 30 anos de historia de um dos maiores flagelos enfrentados pela humanidade. Ainda, esse dia deve ser de reflexão sobre as perspectivas futuras para o alcance do controle máximo da transmissão da infecção pelo HIV, de novas medidas de prevenção e terapêutica e do comportamento diante da pessoa que vive com HIV e Aids.
Amaro Nunes Duarte Neto, médico patologista e professor do departamento de patologia da FMUSP