Parecer 159/2024

Consulta: Trata-se de pedido para verificar a fundamentação jurídica sobre a regra de aguardar pelo menos seis horas do óbito para que seja realizado o exame necroscópico do cadáver.

 

EMENTA: DECLARAÇÃO DE ÓBITO – NECRÓPSIA – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA E LEGAL DA ESPERA DE PELO MENOS SEIS HORAS ENTRE A HORA DECLARADA DO ÓBITO E O INÍCIO DA NECRÓPSIA. ARTIGO 162 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (DECRETO LEI Nº. 3.689/41). EXCEÇÃO À REGRA LEGAL. EVIDÊNCIA DOS SINAIS DE MORTE. ATO PRIVATIVO DO MÉDICO (LEI FEDERAL Nº. 12.842/2013, ARTIGO 4º, INCISOS VII, XII E XIV). PRERROGATIVA DO MÉDICO. DECLARAÇÃO EXPRESSA DAS RAZÕES TÉCNICAS DA DISPENSA NO LAUDO. CERTEZA DO ÓBITO. IMPRECISÃO TERMINOLÓGICA DO TERMO “AUTOPSIA”. DEFASAGEM LEGAL REAL OU APARENTE DIANTE DO AVANÇO DA MEDICINA E DAS CONDIÇÕES ESTRUTURAIS DO BRASIL. ARTIGO 162 DO CPP ESTÁ EM VIGÊNCIA. DECISÃO DO MÉDICO.

 

RESUMO

A necessidade da espera de, pelo menos, seis horas do óbito para que seja inciado o exame de necrópsia está prevista no artigo 162 do Código de Processo Penal brasileiro, lei esta que, diga-se, foi editada em 1941, época em que o legislador entendeu por bem conferir tal prazo de segurança em termos de confirmação da morte de um indivíduo.

Contudo, esteja este artigo de lei defasado pelo avanço da Medicina, ou não esteja defasado pela precariedade estrutural do sistema de saúde em muitas regiões do Brasil, fato é que ele ainda está vigente. Mas, de toda forma, é preciso considerar que este artigo de lei garante ao médico que realizará a necrópsia, dentro de critérios técnicos justificados em laudo, a opção de aguardar, ou não, as seis horas para início do exame.

Assim, considerando se tratar de ato privativo de médico nos termos da Lei do Ato Médico, cabe exclusivamente ao médico que realizará a necrópsia a decisão sobre a necessidade de aguardar, ou não, este prazo mínimo de seis horas contadas a partir do óbito.

 

Segue, abaixo, o parecer na íntegra.

 

PARECER

 O artigo 162 do Decreto Lei nº 3.689/41, ou seja, do Código de Processo Penal brasileiro, define:

 

Art. 162. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto. (g.n.)

 

Parágrafo único. Nos casos de morte violenta, bastará o simples exame externo do cadáver, quando não houver infração penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de alguma circunstância relevante.

Esta regra temporal de aguardar, no mínimo, seis horas do óbito para a realização do exame necroscópico, possui uma exceção no próprio artigo de lei que a define.

A lei privilegia a independência funcional do médico e deixa ao seu critério científico a dispensa desta espera, podendo iniciar o exame necroscópico antes mesmo deste período quando tiver a certeza da morte, desde que justifique tecnicamente as suas razões no próprio laudo necroscópico.

O dispositivo legal é bastante claro neste ponto, precisamente no momento em que utiliza a expressão “julgarem”. Ou seja, fica ao crivo do médico dispensar esta espera quando avaliar desnecessária.

Apenas para complementar a análise, é valido dizer que em alguns casos específicos de morte violenta, não só a espera de seis horas é desnecessária como o próprio exame necroscópico é dispensado.

São duas essas hipóteses: quando, desde logo, se confirma a inexistência de um crime, como, por exemplo, um atropelamento que dilacera o corpo de um pedestre embriagado, fato ocorrido diante de várias testemunhas; ou quando há evidências de um crime, mas as condições externas do corpo permitem a certeza da causa da morte (uma decapitação, por exemplo), e não haja a necessidade de verificar outros fatores relevantes (um estupro, por exemplo).

Consigna-se que a realização do exame de necrópsia é ato privativo do médico nos precisos termos da Lei Federal nº. 12.842/2013, ou seja, a Lei do Ato Médico, especificamente no seu artigo 4º, incisos VII, XII e XIV. Portanto, eis mais um reforço legal para a atuação do médico neste ato, ficando ao seu crivo a necessidade de aguardar as seis horas, ou não.

É importante observar, nesta discussão, que a lei que prevê este lapso temporal de seis horas foi editada em 1941, época em que a tecnologia médica não possuía mecanismos considerados suficientes e seguros para garantir a certeza da morte aparente. Isto, ao menos aos olhos do legislador da época que, por tal razão, preferiu conferir um prazo de segurança para que o cadáver fosse necropsiado, ato que certamente ceifaria qualquer resíduo de vida, se existente.

Aliás, a imprecisão terminológica do termo “autópsia” que consta no artigo 162 do Código de Processo Legal parece ser, de toda forma, mais um argumento pela sua defasagem legal, haja vista a ampla aceitação atual de sua substituição pelo termo “necrópsia1”, ante a análise de um corpo sem vida.

Pois bem. De uma ou de outra forma, fato é que a previsão legal em discussão continua vigente até os dias atuais, em que pese a Medicina ter seguras condições, ao menos do ponto de vista tecnológico, de atestar com bastante precisão, e imediatidade, um óbito.

Tanto que se levarmos em consideração os atuais protocolos de segurança previstos para a determinação de morte encefálica do indivíduo, sobretudo conforme Resolução Normativa do Conselho Federal de Medicina nº. 2173/2017, donde se vêem procedimentos médicos atuais bastante minuciosos para a conclusão do óbito, seria de se concluir pela desnecessidade, nestes casos, da espera dessas tais seis horas, já que dúvida não restaria quanto a ausência de vida.

Contudo, há que se considerar o argumento de que, principalmente em um país de tamanho continental como o Brasil e de condições estruturais bastante heterogêneas, que tal consistência tecnológica e segurança técnica da Medicina não estão presentes em todos os serviços em que são realizados exames necroscópicos, razão pela qual, ainda que circunstancialmente, a regra legal das seis horas de espera ainda pode ter alguma razão de existir.

 

1 A palavra necrópsia vem dos termos gregos nekros = cadáver e opsis = vista.

 

Fato é que, aparente ou não tal defasagem legal, a discricionariedade do médico conferida em lei parece solver a questão. Em outras palavras, sendo a necrópsia um ato privativo do médico, cabe somente a ele a decisão, com base em premissas médicas, de aguardar, ou não, as seis horas do óbito para realizar a necrópsia, sendo o único profissional apto a aplicar a exceção legal do artigo 162 do Código de Processo Legal.

Sendo o que tinha a expor, encerra-se o presente parecer, colocando-se à disposição para quaisquer esclarecimentos e protestando-se por votos da mais elevada estima a esta distinta consultante, qual seja, a Sociedade Brasileira de Patologia – SBP.

 

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