A indagação da causa da morte sempre esteve presente em nossos pensamentos, seja você médico ou não. A palavra autópsia significa “ver por si próprio” e vem do grego clássico αυτοψία, sendo composta por αυτος (autós, “si mesmo”) e ὄψις (ópsis, “visão”). Outro termo grego equivalente e de uso mais recente é νεκροψία (necropsía), composto de νεκρός (nekrós, “morto”) e ὄψις (ópsis, “visão”), isto é, a dissecação do cadáver para determinar, por meio da observação, a causa de morte ou a natureza da doença.
As origens da autópsia (ou necrópsia) se confundem com a da própria medicina. Seus primeiros registros na antiguidade são das dissecações com Herófilo e Erasístrato, no século II a.c. Séculos depois, a realização dessa investigação utilizando cadáveres humanos seria proibida em grande parte da Europa por motivos éticos e religiosos, sendo apenas permitida a dissecação de outros animais.
Considerado uma das principais figuras da medicina, o grego Galeno de Pérgamo (129 – 201) já recorria a esse recurso, realizando dissecações em animais como porcos, macacos, cavalos e cães, apontando as semelhanças anatômicas entre os órgãos que cumpriam a mesma função em espécies diferentes.
No Século IX, o estudo do corpo humano após a morte voltou a crescer, principalmente graças à escola de medicina de Salerno, na Itália, e à obra de Constantino, que traduziu do árabe para o latim numerosos textos médicos gregos. Logo depois, Guglielmo de Saliceto, Rolando de Parma e outros médicos medievais enfatizaram a afirmação de Galeno, segundo a qual o conhecimento anatômico era importante para o exercício da cirurgia.
Passando pelo período do Renascimento, a anatomia humana teve uma grande contribuição com artistas que buscavam nesta ciência as bases para retratarem de maneira mais precisa a figura humana. O mais famoso deles, Leonardo da Vinci, dissecou mais de trinta corpos de homens e mulheres de todas as idades. Dentre seus diversos trabalhos, ele ainda é reconhecido por seus esboços e obras baseados na arte da dissecação.
Então chegamos ao momento na história em que a Patologia passa a despontar como especialidade em si, separada do restante da medicina. A principal figura dessa guinada é Antonio Benivieni (1443–1502), médico florentino que foi o primeiro a colher sistematicamente dados de autópsias realizadas em seus pacientes. Em seguida, em 1543, o médico Andreas Vesalius lançaria o primeiro livro de anatomia humana: “De Humani Corporis Fabrica”. Resultado de seus trabalhos como professor da Universidade de Pádua, onde realizou dissecações de cadáveres, a obra instituiu categoricamente o método correto de dissecação anatômica.
Outro grande nome que colaborou para o avanço da especialidade foi Giovanni Morgagni. Em 1761, com sua obra “De Sedibus et Causis morborum per anatomen Indagatis”, ele descreveu 640 autópsias, correlacionando os sintomas de seus pacientes com os achados patológicos na autópsia.
Avançando na história, o médico francês Marie François Bichat atuou como cirurgião do exército durante a Revolução Francesa para obter permissão para investigar corpos frescos daqueles que foram guilhotinados. Com métodos simples (e graças às amostras abundantes da Revolução) ele identificou dois tipos de tecidos.
Karl von Rokitansky (1804-1878) é outro expoente, tendo realizado 30.000 autopsias, cerca de 1500 a 1800 por ano, e supervisionado em torno de 70.000. Entre todos esses nomes, porém, um dos que mais se destaca é o de Rudolf Ludwig Karl Virchow (1804 – 1878). Considerado a maior figura na história da Patologia, ele foi um dos primeiros a utilizar o microscópio, um dos principais avanços da óptica em seu tempo, para analisar tecidos.
A investigação do patologista Karl Landsteiner (1868 – 1943), que realizou mais de 3600 autópsias, contribuiu para diferenciar os tipos sanguíneos em 1901 e para o aparecimento de novos campos na transfusão sanguínea e, eventualmente, no transplante de tecidos.
Durante todo esse processo histórico, sistematizações e padronizações foram constantes e necessárias para tornar possível a evolução dos procedimentos da autópsia. De um princípio baseado na dissecação de órgãos, essa ciência passou para um método avançado de estudo que investiga a causa da morte de um paciente, permitindo desenvolver o conhecimento geral sobre a doença que o acometeu.
Tem curiosidade de saber como são os métodos utilizados numa autópsia para determinar a causa da morte? No próximo texto dessa série especial você vai saber mais sobre os processos envolvidos na investigação que faz os mortos falarem.
Fontes
https://www.ufcspa.edu.br/index.php/historia-da-anatomia-humana